Comunidades<br>– os problemas arrastam-se

Rui Fernandes

«(...) Ouvi o vento Sul que as­so­biava,
E de ouvi-lo fol­guei. Da pá­tria vinha:
Seu rijo sopro re­frescou-me as veias»
Ale­xandre Her­cu­lano

A mul­ti­pli­cação de textos a puxar mais ou menos ao sen­ti­mento sobre as co­mu­ni­dades por­tu­guesas que andam lá longe a lutar pela vida é an­tigo.

O pro­blema é que lá, como cá, sendo bom que existam boas pa­la­vras, se a elas não cor­res­pon­derem me­didas prá­ticas, con­cretas, que as ma­te­ri­a­lizem, de pouco servem. Ora isto é o que ano após ano tem acon­te­cido com as co­mu­ni­dades: pa­la­vras muito ca­ri­nhosas, mas adopção de me­didas que andam ao con­trário.

As al­te­ra­ções pro­du­zidas ao en­qua­dra­mento legal do Con­selho das Co­mu­ni­dades; o fecho de con­su­lados; a in­tro­dução, nuns casos, de pro­pina para o en­sino de por­tu­guês, nou­tros casos, a pos­si­bi­li­dade da sua frequência sem pro­pina, mas como língua es­tran­geira; o ema­ra­nhado de pro­blemas que afectam os tra­ba­lha­dores con­su­lares; o cres­ci­mento ex­po­nen­cial de por­tu­gueses nal­guns países sem quais­quer me­didas de re­forço de pes­soal nesses con­su­lados; o uso dis­cri­ci­o­nário de tra­ba­lha­dores em em­bai­xadas como se fossem «pau para toda a obra»; as des­lo­ca­ções de cen­tenas de qui­ló­me­tros para quem não ab­dica de exercer o seu di­reito de voto; os cres­centes casos de po­breza que se re­gistam nas co­mu­ni­dades, sem qual­quer me­dida de res­posta, etc., etc., contam-se entre o imenso rol de pro­blemas.

Para a re­so­lução de al­guns destes as­pectos só é pre­ciso uma coisa: von­tade po­lí­tica de os re­solver, em vez de von­tade po­lí­tica de os ir «em­pur­rando com a bar­riga». A re­co­nhe­cida falta de tra­ba­lha­dores con­su­lares em vá­rios países (por exemplo, na Bél­gica com menos de cinco fun­ci­o­ná­rios para 80 mil por­tu­gueses), afec­tando dessa forma as co­mu­ni­dades na re­so­lução dos seus pro­blemas, ne­ces­sita do quê para ser en­ce­tado o pro­cesso de re­so­lução? Os di­fe­rentes tra­ta­mentos dos jo­vens por­tu­gueses no acesso ao en­sino do por­tu­guês no es­tran­geiro ne­ces­sita do quê para ser re­sol­vido? E para quem tanto fala da li­gação às co­mu­ni­dades, por que é que a eleição para o Con­selho das Co­mu­ni­dades passou a só poder ser feito pelos re­cen­se­ados nos ca­dernos elei­to­rais ao con­trário da­quela que era a prá­tica exis­tente de po­derem votar os por­tu­gueses ins­critos nos con­su­lados, res­trin­gindo deste modo o âm­bito de par­ti­ci­pação? E os pro­blemas fis­cais que afectam os tra­ba­lha­dores con­su­lares, ne­ces­sitam do quê para terem res­posta? Por exemplo, um fun­ci­o­nário pode re­ceber quatro mil euros em França, tendo pre­sente o custo de vida nesse país, mas de­pois a tri­bu­tação sobre esse valor efec­tuada em Por­tugal ig­nora isso e esse fun­ci­o­nário é tri­bu­tado como se ga­nhasse aquele valor e vi­vesse em Por­tugal. Tem isto algum sen­tido? E ou­tros exem­plos po­de­riam ser re­fe­ridos.

Isto é, se há pro­blemas que re­querem tempo, até porque a sua re­so­lução passa pelo es­ta­be­le­ci­mento de me­ca­nismos entre o Es­tado por­tu­guês e países es­tran­geiros, muitos ou­tros pro­blemas têm so­mente a ver com me­didas a adoptar pelo Go­verno por­tu­guês. Co­mece-se por esses (!) sem ar­rastar a sua re­so­lução.

É que podem con­ti­nuar os en­con­tros ali, os diá­logos acolá, etc., etc. Nor­mal­mente, ini­ci­a­tivas para uma «nata» da co­mu­ni­dade. Mas aquilo que é mesmo ne­ces­sário são me­didas con­cretas que re­solvam pro­blemas. E não é por falta de aná­lise dos mesmos e de pro­postas con­cretas. Ao longo dos anos, con­se­lheiros das co­mu­ni­dades e o pró­prio Con­selho das Co­mu­ni­dades, sin­di­catos das di­fe­rentes áreas de ac­ti­vi­dade, es­tru­turas sócio-cul­tu­rais e re­cre­a­tivas, etc., têm re­me­tido os seus con­tri­butos. Não têm fal­tado se­mi­ná­rios, de­bates, en­tre­vistas. Faltam mesmo as me­didas.

O re­forço dos laços iden­ti­tá­rios com as co­mu­ni­dades por­tu­guesas, tão mais ne­ces­sário no con­texto de agra­va­mento da crise so­cial e po­lí­tica na União Eu­ro­peia e das suas di­versas ex­pres­sões, re­quer pôr em marcha po­lí­ticas mul­ti­fa­ce­tadas que, ac­ci­o­nando di­versos vec­tores, con­virjam para esse mesmo ob­jec­tivo. Só assim se im­pul­si­o­nará um pro­cesso capaz de gerar con­fi­ança e em­pe­nha­mento. Con­di­ções que não se criam nem de­sen­volvem se as op­ções po­lí­ticas con­ti­nu­arem re­féns das im­po­si­ções ex­ternas e de ul­tra­pas­sadas con­cep­ções sobre as co­mu­ni­dades. Aquilo que faz cada vez mais falta é uma po­lí­tica con­subs­tan­ciada num pro­jecto es­ta­té­gico na­ci­onal, so­be­rano, que res­ponda de forma in­te­grada nos seus múl­ti­plos vec­tores, a po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda que o PCP pre­co­niza.




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